Hand Talk: inteligência artificial em prol da inclusão
Aplicativo tem mais de 2 milhões de downloads e chega a
realizar cerca de 12 milhões de traduções em
LIBRAS por mês
Por Cristiane Lopes*
Os desafios para uma
comunicação mais fluida entre pessoas ouvintes e surdas são variados. A
primeira barreira muitas vezes começa dentro de casa, depois vão surgindo
outras, na escola, no trabalho, na comunidade e por ai vai. O surdo, muitas
vezes, se vê isolado, justamente porque não há esse conhecimento da língua de
sinais, o que praticamente o impossibilita de se comunicar e exercer sua
cidadania.
Mas muitas ações têm
sido realizadas no sentido de transpor essas barreiras, desde o desenvolvimento
e regulamentação de leis específicas que oficializam e promovam a língua de
sinais ao desenvolvimento de aplicativos e inteligências artificiais, que podem
ser acessados e alimentados a partir do celular, e promovem a tradução do que é
dito ou escrito para língua de sinais. E é disso que vamos falar agora.
Você
conhece o Hugo?
O Hugo é o
intérprete-tradutor de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), do aplicativo Hand
Talk, da startup homônima criada em 2012, pelo publicitário e idealizador
Ronaldo Tenório (CEO) e seus sócios, Thadeu Luz e Carlos Wanderlan. O
personagem animado chega a realizar 12 milhões de traduções por mês. O app está
disponível nas lojas e já registra mais de 2 milhões de downloads. A
expectativa é que esse número cresça exponencialmente com o lançamento do
aplicativo em ASL (American Sing Language), nos Estados Unidos a partir do ano
que vem.
Quem nos contou essa
novidade foi o próprio Ronaldo Tenório, numa entrevista exclusiva, sobre o app
Hand Talk que foi considerado o melhor aplicativo social do mundo, pela
Organização das Nações Unidas (2013). Tenório também tem um currículo de cair o
queixo. Publicitário, é especializado em Comunicação Estratégica; foi eleito
pelo jornal Folha de S. Paulo o mais promissor Empreendedor Social no Brasil
(2014); um dos jovens mais promissores do Brasil pela Revista Forbes (2016); e
um dos 35 jovens mais inovadores do mundo pelo MIT (Massachusetts Institute of
Technology), em 2015. E pensar que tudo
começou com o gesto de olhar para o lado e se colocar no lugar do outro:
empatia.
#BlogAADA:
O que levou você a desenvolver o
aplicativo Hand Talk? Caso de surdez na família? Amigos surdos? Geralmente é
assim que acontece...
#RonaldoTenório: Eu fui pela contramão, simplesmente olhei para o lado e percebi que
existia um problema entre surdos e ouvintes. Foi um projeto acadêmico, em que
eu tinha que solucionar um problema de comunicação, unindo inovação e
tecnologia. Pensei: já que é para fazer algo assim, que seja para ajudar as
pessoas. Comecei a pesquisar problemas de comunicação que poderiam existir no Brasil
e no mundo e entrei nesse universo das pessoas com deficiência. Vi que havia
uma grande barreira de comunicação entre surdos e ouvintes e pensei: e se eu
criar uma solução que possa traduzir esse conteúdo automaticamente? Isso foi em
2008. Eis que a ideia ficou por quatro anos guardada, depois eu resolvi inscrever
em um desafio de start ups junto com mais dois colegas, o Thadeu Luz e o Carlos
Wanderlan, que hoje são meus sócios, e aí deu no que deu.
#BlogAADA: O
Hand Talk e você também tem vários prêmios e títulos no Brasil e exterior. O
que você considera o grande diferencial desse projeto?
#RonaldoTenório: Eu acho que o grande fator decisivo para criar um negócio nesse
sentido foi praticar a empatia, olhar para o lado e perceber que havia um problema
que não era meu somente, mas principalmente de outras pessoas, e ao mesmo tempo
de todos, como sociedade, de ter um ambiente mais inclusivo.
#BlogAADA: Recentemente
a Hand Talk promoveu um evento sobre acessibilidade na internet, o Link, como
você avalia o interesse e o engajamento das empresas nesta questão?
#RonaldoTenório: Acho que já foi muito pior. A acessibilidade está sendo muito
discutida hoje. Aqui no Brasil, a gente tem uma das leis mais severas e
completas sobre acessibilidade. Depois da Lei Brasileira de Inclusão, que
entrou em vigor em 2016, eu acho que há um movimento maior das próprias
empresas no sentido de praticarem isso como cultura delas, de serem mais
diversas e inclusivas. É claro que ainda estamos muito distante de uma
realidade legal, mas avançamos muito e a tendência é melhorar cada vez mais
esse cenário.
#BlogAADA: E
de que forma a Hand Talk se apresenta como facilitadora dessa realidade mais
diversa e inclusiva?
#RonaldoTenório: Temos o app que é gratuito, está disponível nas lojas e já tem mais de
2 milhões de downloads - o usuário grava um texto ou áudio e obtém a tradução.
Ele pode usar de qualquer lugar, seja pessoa física ou jurídica, para a
situação que achar mais conveniente. Temos também um plugin para o site de
empresas e organizações. Elas colocam esses plugins dentro de seus sites e
torna aquele ambiente acessível. Oferecemos suporte e a empresa faz uma
assinatura anual para que a ferramenta continue funcionando. Em nosso blog,
damos algumas dicas de como implementar a acessibilidade nas empresas, para que
as pessoas consumam cada vez mais esse conteúdo e eduquem cada vez mais as
organizações. [handtalk.me/download]
#BlogAADA: Também
no Link você anunciou a aquisição da ProDeaf [aplicativo de tradução para
LIBRAS] e que o Hugo passará a traduzir em plataforma internacional, conta um
pouco para a gente?
#RonaldoTenório: Este ano, nós adquirimos a ProDeaf, que é uma empresa similar a nossa,
e recebemos investimento para podermos fazer a Hand Talk crescer mais aqui no
Brasil - fechar mais negócios, tornar mais sites acessíveis, fazer o app ser
mais baixado. A princípio vamos manter as duas marcas. O nosso grande próximo
passo é lançar o Hand Talk em ASL (American Sing Language) nos EUA no começo do
ano que vem.
#BlogAADA: As línguas são todas vivas. Como vocês mantêm o
repertório do Hugo atual?
#RonaldoTenório: É um trabalho bem difícil, é diário. A língua é viva mesmo e diariamente
temos novas solicitações. Quem nos ajuda muito a melhorar o vocabulário do Hugo
é quem reporta lá as traduções feitas, se está ok se não está, se está
precisando de sinal, e manda sugestões. Então, verificamos quais sinais o Hugo
precisa aprender. Ele vai ficando mais inteligente à medida em que as pessoas
vão utilizando o aplicativo – a gente utiliza inteligência artificial neste
trabalho de tradução.
#BlogAADA: Eu
só consigo obter a tradução em LIBRAS de uma palavra ou frase se eu estiver
conectada à internet?
#RonaldoTenório: Na verdade, todas as traduções que você fizer usando a internet vão
para o histórico e poderão ser acessadas offline, funcionando com os sinais
devidos. Hoje, a gente precisa da internet para fazer as traduções porque todo
o sistema de tradução automática precisa de máquinas e serviços para funcionar.
Então, para que o Hugo fique mais inteligente a cada dia, essa base de dados
tem que estar sempre atualizada nos nossos servidores. E é por isso que a gente
precisa das traduções funcionando online. A gente tem esse grande recurso que é
o histórico: é possível cadastrar frases que você queira no seu histórico e,
quando precisar usar o offline, Hugo te dará a sinalização correta delas.
#BlogAADA: Alguns
sinais estão totalmente ligados ao contexto. Por exemplo, em relação à palavra
banco...
#RonaldoTenório: Casos como este, de ambiguidade [banco, de sentar, e banco,
instituição financeira], o Hugo precisa de vários exemplos. Por isso é
importante a avaliação: tem uma estrelinha no canto superior direito do
aplicativo, que o usuário pode clicar e avaliar aquela tradução. Se ele
identificar que aquela tradução não está com o contexto ideal, a gente percebe
e vai corrigindo isso. Quanto mais pessoas reportarem, mais compreendemos pelo contexto
qual deveria ser colocado lá. Uma vez estando errado não significa que estará
errado para sempre. Essa é a vantagem de se trabalhar com tecnologia, porque as
pessoas ajudam ao reportar e avaliar. Com isso, aplicamos mais situações para
que o Hugo possa aprender e apresentar o melhor sinal a ser utilizado.
#BlogAADA: Como
vocês interagem com os usuários do Hand Talk?
#RonaldoTenório: A gente tem dois canais específicos: um é o de avaliar, no canto
superior direito do app, e o outro, em “sugestões” [no menu]. Várias ações já
foram implementadas na plataforma, como por exemplo, deixar mais clara a função
de velocidade da animação, hoje no canto inferior esquerdo; as pessoas também
queriam mais informações para aprendizado da língua, então criamos o #HugoEnsina,
que também é acessado pelo menu, em que ele ensina sinais de grupos
específicos, a cada mês. Inclusive a ASL é uma das sugestões mais fortes que
recebemos e é um dos grandes lançamentos que a gente vai fazer no ano que vem.
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Você sabia?
O Dia Internacional
das Línguas de Sinais foi instituído em 2011 pela Federação Mundial de Surdos,
a partir de uma iniciativa da Associação de Surdos da Suécia. O ato foi uma
resposta ao Congresso de Milão, ocorrido no início do século 19, também no mês
de setembro, e que na ocasião proibia o uso das línguas de sinais para
alfabetização e educação de surdos, impondo a oralização para este fim.
Hoje em dia,
felizmente, o próprio surdo, a família e profissionais de diversas áreas que o
assistem podem escolher, de acordo com as características de cada pessoa, a
melhor forma de se comunicar, compreender a realidade e ser compreendido
também. Há os surdos oralizados, os sinalizados (usuários de línguas de
sinais), aqueles que fazem leitura labial, mas é inegável a importância da
língua de sinais como sua língua materna, a partir da qual eles podem se
expressar naturalmente.
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*Cristiane Lopes é jornalista, mãe do Miguel e voluntária na AADA.